A Guerra da Restauração também passou pelas fronteiras de Melgaço
A Restauração da
Independência a 1 de Dezembro de 1640 marca o fim de 60 anos do domínio
filipino em Portugal. Recuperada a independência, D. João IV é aclamado rei em
Lisboa e vão seguir-se quase três décadas de guerra com Espanha.
Nas fronteiras de
Melgaço, decorreram algumas ações bastante violentas, particularmente ao longo
da fronteira do rio Trancoso, mas também em Lamas de Mouro ou em Castro
Laboreiro. O lugar de Alcobaça bem como outras aldeias em Paços, Cristóval ou
Castro Laboreiro (Melgaço) foram incendiadas e saqueadas. Temos notícias que os
de cá também destruíram e incendiaram alguns lugares (Crespos e Monte Redondo),
em Padrenda. Era o estalar da Guerra da Restauração. Estes e outros episódios
são narrados com um certo detalhe no livro "História do Portugal
Restaurado", publicado em 1751. O dito livro conta-nos que, aí pelo ano de
1641, "...Nestes dias, andando em Melgaço, rondando as sentinelas junto do
rio, o Capitão de Infantaria Francisco de Gouvea Ferraz, estimulado de ouvir da
outra parte do rio a um soldado galego algumas palavras contra o decoro del
rei, se lançou impetuosamento ao rio, e passando a nado, se achou da outra
parte sem oposição, porque o galego, medroso, do seu lado se retirou, antes que
ele chagasse, podendo facilmente tomar vingança da sua ousadia. Tornou da mesma
forma a voltar a Melgaço, e logrou o merecido aplauso da sua resolução.
De Janeiro até Julho se passou de uma e outra
parte sem mais empresa do que estas primeiras ameaças de guerra. Em Julho
quando se rompeu a guerra no Alentejo, conhecendo El Rei que menear as armas só
para a defesa era multiplicar o perigo, e era a paz que se desejava e que se
havia de conseguir fazendo guerra, ordenou aos governadores para dar armas de
todas as províncias, que entrassem em Castela. Não dilatou D. Gastão a
obediência e deu logo ordem a Frei Luiz Coelho da Sylva, Cavaleiro da Ordem de S. João, que
com a gente de Viana, embarcada numa galeota, duas lanchas e alguns barcos
passasse a queimar a vila da Guardia, situada defronte de Caminha.
Mandou a D. João de Souza, Capitão Mor de Melgaço, que entrasse ao mesmo tempo
pela Ponte das Várzeas (próximo a S. Gregório); António Gonçalves de Olivença
pelo Porto dos Cavaleiros; por Lindoso, Manuel de Souza de Abreu e pela Portela
do Homem, Vasco de Azevedo Coutinho. Todas estas entradas se executaram em
lugares muito distantes uns dos outros e toda esta gente não levava mais
disposição que a do seu valor. Porém ignorar os perigos que buscava, a fazia
mais resoluta, achando a fortuna favorável, que costuma pôr-se da parte dos
temerários. D. Gastão passou à Insula, pouco distante da Guardia, para observar deste sítio o
sucesso dos Vianenses, de que não resultou mais, que voltarem-se com dois
barcos de pescadores. Irritou-se muito D. Gastão deste desconcerto, como se as
disposições desta empresa não insinuaram o sucesso dela. Na Insula, mandou D. Gastão levantar um
reduto, parecendo-lhe sítio acomodado e que necessitava de segurança. Os mais
que entraram em Castela saquearam e queimaram algumas aldeias e trouxeram
despojos, que os obrigou a se animarem a maiores empresas. Governava o Reino de
Galiza, o Marquês de Val-Paraíso. As prevenções e disciplina daquela
parte não excediam muitas muito as nossas e só havia diferença de se haverem
nomeado oficiais, que entendiam a guerra, de que resultava terem os soldados
melhor notícia dela.
Poucos dias depois de retirada a nossa gente,
mandou o Marquês de Val-Paraíso 800 infantes à freguesia de Cristóval (Melgaço), que é na raia junto ao
rio Várzea (rio Trancoso), e queimaram algumas aldeias, sem perdoar o insulto
ao sagrado das igrejas. Passaram à freguesia de Paços que segue a Cristóval. Acudiu D. João de Sousa e
Francisco de Gouveia, o que havia passado o rio a nado, e trazendo consigo só
70 homens, ocuparam a passagem do rio e obrigaram os galegos a que se
retirassem perdendo 40 homens. Estas entradas, que pareciam mais de bandoleiros
que de soldados, se alternavam de uma e outra parte com pouca vantagem nos
sucessos. Com a notícia da entrada que os galegos fizeram, tornou D. Gastão a convocar a gente, tornou D. Gastão a convocar a gente que havia dividido, e deu ordem ao
Sargento Mor Simão Pita que entrasse na Galiza, pela Ponte das Várzeas, e
Manuel de Souza de Abreu pelo Porto dos Cavaleiros. Simão Pita teve notícia que
o inimigo engrossava por aquela parte o poder, e susteve a entrada. Manual de
Souza passou o Porto dos Cavaleiros com três mil infantes e 40 cavalos e
sabendo que o inimigo ocupava o lugar do Facho (Cristóval), por onde forçosamente havia de
passar, mandou avançar António Gonçalves de Olivença com 400 infantes a
desalojar os galegos, que se achavam com 400 infantes e 150 cavalos.
Investiu-os valorosamente António Gonçalves e obrigou-os a se retirarem.
Sem embargo desta desordem, marchou Manuel de
Sousa para o lugar de Monte Redondo (Padrenda), grande, rico e fortificado, com
duas companhias pagas e outras da ordenança que guarneceu. Chegando ao lugar,
mandou avançar as trincheiras pelos Capitães D. Vasco Coutinho, Cristovão
Mouzinho e Luíz de Brito, entraram valorosamente e queimaram o lugar à custa
das vidas de muitos galegos. A pressa, e o exemplo da gente de António
Gonçalves inculcou a desordem porque muitos dos portugueses, que sabiam as
veredas, se retiraram para suas casas com os despojos que colheram. Os galegos
que saíram do lugar ocuparam a aspereza de um monte, que era o caminho por onde
Manuel de Sousa forçosamente havia de passar. Vendo ele que era necessário
vencer esta dificuldade, deu ordem a que avançasse toda a gente a desocupar
aqueles sítios e não havendo melhor disciplina que a da competência, disse que
aquele que chegasse primeiro, lograria o aplauso daquela ocasião. O valor de
todos dissimulou este desconcerto. Porque avançando intrépidos por todas as
partes, obrigaram os galegos com morte de alguns a largarem o posto. Aos que se
retiravam, se uniram outros, que dos lugares vizinhos acudiram ao rebate e
chagando ao número de mil infantes e 200 cavalos, e se formaram num vale,
mostrando que desejavam pelejar. Facilmente lograram intento, se Manuel de
Sousa se não achara com menos duas partes da gente que havia levado à empresa.
Retirou-se queimando de caminho algumas aldeias. D. Gastão não estimou tanto o
bom sucesso, como sentiu a desordem dos que se retiraram e castigando os que
tiveram culpa e dando prémios aos que procederam com acerto, foi pouco a pouco
reduzindo a melhor forma a gente daquela província e ao mesmo passo que
ensinava, aprendia. Porém aqueles a que sucede serem primeiro generais que
soldados, dificilmente saem grandes mestres na escola militar.
Dois dias depois do sucesso referido, entrou o
inimigo pelo Porto dos Cavaleiros com dois mil infantes e 300 cavalos e
derrotou os Capitães António de Barros, que com duas companhias pagas,
guardavam aquele porto. Vindo-se retirando os socorreu a Capitão Mathias
Ozório, a que dava apoio o Sargento Mor Simão Pita. Fizeram alto os galegos com
perda de alguns oficiais e os soldados voltaram sobre o concelho de Laboreiro,
e o lugar de Alcobaça, que destruíram e queimaram. A nossa infantaria recolheu
ao Convento de Fiães de frades de S. Bernardo que com esta guarnição ficou
livre dos danos que os galegos determinavam fazer-lhe."
LINK PARA O LIVRO - História
do Portugal Restaurado (1751)
Mais curiosa
ainda é a referência a Melgaço e a Lamas de Mouro nesta mesma guerra num livro
de poesia publicado em 1649 com o título “O Phaenix da Lusitania, ou, Aclamaçam
do serenissimo Rey de Portugal D. Ioam IV”. No mesmo, o autor celebra a
Restauração da independência de Portugal e os feitos na guerra com Espanha. Faz
alusão à existência um reduto de defesa em Lamas do Mouro, bem como à
morte de quatro irmãos da família de fidalgos dos Castros de Melgaço. Pode o
caro leitor conferir abaixo nesta página 226, na estrofe 35, a referência ao
tal reduto de Lamas de Mouro.
Conforme referimos atrás, também
há, neste livro, uma referência à morte de quatro irmãos da família fidalga dos
Castros de Melgaço durante esta guerra. Confira, o ilustre leitor, na página
255, estrofe 121, mostrada abaixo:
LINK PARA O LIVRO - O Phaenix da Lusitania (1649)
Fontes consultadas:
- MENEZES, Luiz de (1751) –
História de Portugal Restaurado. Tomo I; Oficcina de Domingos Rodrigues;
Lisboa.
- TOMÁS, Manuel (1649) -
O Fênix da Lusitânia, ou, Aclamaçam do sereníssimo Rei de Portugal Dom
Ioam IV. do nome: poema heroico. Impresso em Ruam: Por Lourenço Maurry.
Publicada por Valter Alves
Revista Repórter X Editora Schweiz Oficial