Água do mar está a infiltrar-se no
‘Glaciar do Juízo Final’. Investigadores alertam para graves consequências na
subida do nível dos oceanos
A água do oceano está a infiltrar-se
quilómetros por baixo do “Glaciar do Juízo Final” da Antártida, tornando-o mais
suscetível ao degelo do que se pensava anteriormente. Esta revelação provém de
um novo estudo que utilizou dados de radar espaciais para examinar
detalhadamente este glaciar crítico.
A investigação, publicada na
revista Proceedings of the National Academy of Sciences, revela
que a água salgada e relativamente quente do oceano está a causar uma “fusão
vigorosa” na base do glaciar Thwaites. Esta fusão pode significar que as
previsões atuais sobre a subida do nível do mar estão subestimadas.
O Glaciar Thwaites, situado na Antártida
Ocidental e conhecido como “Glaciar do Juízo Final”, é o maior glaciar do
mundo, com uma área semelhante à da Florida, nos Estados Unidos. A sua
localização é particularmente vulnerável, pois está situado numa área onde o
terreno se inclina para baixo, permitindo que as águas oceânicas corroam o
gelo.
Atualmente, o Thwaites contribui com 4%
para a subida global do nível do mar. Contém gelo suficiente para aumentar o
nível do mar em mais de 60 centímetros. No entanto, como também funciona como
uma barragem natural para o gelo circundante na Antártida Ocidental, o seu
colapso total poderia resultar numa subida do nível do mar de cerca de 3
metros, uma situação catastrófica para as comunidades costeiras mundiais.
Os cientistas há muito que alertam para
a vulnerabilidade do Thwaites. O aquecimento global, impulsionado pela queima
de combustíveis fósseis, deixou o glaciar “pendurado pelas unhas”, segundo um
estudo de 2022.
Uma equipa de glaciologistas da
Universidade da Califórnia, em Irvine, liderou a investigação recente.
Utilizando dados de radar de satélite de alta resolução recolhidos entre março
e junho do ano passado, conseguiram criar uma radiografia detalhada do glaciar.
Este método permitiu-lhes observar mudanças na “linha de aterramento” do
Thwaites, o ponto onde o glaciar se eleva do fundo do mar e se torna uma
plataforma de gelo flutuante.
“No passado, apenas dispúnhamos de dados
esporádicos para analisar esta questão”, afirmou Eric Rignot, professor de
Ciências do Sistema Terrestre na Universidade da Califórnia e coautor do
estudo, citado pela CNN Internacional. “Neste novo conjunto de dados, que é
diário e ao longo de vários meses, temos observações sólidas do que se está a
passar.”
Os investigadores observaram a água do
mar a infiltrar-se por baixo do glaciar e a seguir o ritmo diário das marés.
Esta intrusão de água do mar é suficiente para “elevar” a superfície do glaciar
em centímetros, segundo Rignot.
A velocidade da água do mar, movendo-se
rapidamente sob o glaciar, acelera o derretimento do gelo porque a água doce
derretida é rapidamente substituída por água do mar mais quente. “Este processo
de intrusão generalizada e enorme de água do mar aumentará as projeções da
subida do nível do mar na Antártida”, acrescentou Rignot.
Ted Scambos, glaciologista da
Universidade do Colorado em Boulder, que não esteve envolvido no estudo,
considerou a investigação “fascinante e importante”. Ele sublinhou que este
novo processo identificado pode acelerar o ritmo da perda de gelo nas previsões
climáticas.
James Smith, geólogo marinho do British
Antarctic Survey, destacou a necessidade de investigar se o fluxo de água do
mar sob o Thwaites é um fenómeno recente ou uma característica desconhecida mas
de longa data. “De qualquer forma, é claramente um processo importante que
precisa de ser incorporado nos modelos de camadas de gelo”, afirmou.
Noel Gourmelen, professor de observação
da Terra na Universidade de Edimburgo, elogiou a utilização de dados de radar
para este estudo. “Ironicamente, é indo para o espaço, utilizando as nossas
capacidades crescentes de satélite, que estamos a aprender muito mais sobre
este ambiente”, disse.
Apesar das novas descobertas, ainda há
muitas incógnitas sobre o que significam para o futuro do Thwaites e até que
ponto este processo pode estar a ocorrer em outras partes da Antártida.
A Antártida, um continente isolado e
complexo, está cada vez mais vulnerável à crise climática. Um estudo recente do
British Antarctic Survey analisou os níveis recorde de gelo marinho baixo que
rodearam a Antártida no ano passado, concluindo que tais eventos seriam
“extremamente improváveis” sem a influência das alterações climáticas.
Embora o derretimento do gelo marinho
não afete diretamente a subida do nível do mar, expõe as camadas de gelo
costeiras e os glaciares às águas quentes do oceano, tornando-os mais
suscetíveis ao derretimento.
As investigações indicam que a Antártida
pode estar a enfrentar uma “mudança de regime duradoura”, com implicações
profundas para o clima local e global.
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