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terça-feira, 13 de maio de 2025

João Carlos Quelhas denuncia: “O Estado tinha o dever de proteger, mas escolheu expulsar”

João Carlos Quelhas denuncia: “O Estado tinha o dever de proteger, mas escolheu expulsar”


A expulsão de Ardy Vrenezi, um jovem kosovar com múltiplas deficiências, é a prova viva de como a máquina do Estado pode agir com frieza e negligência. Em vez de assegurar os cuidados médicos adequados, a França optou por devolver este jovem frágil ao Kosovo, onde as condições de saúde são visivelmente inferiores. João Carlos Quelhas considera que esta decisão não é apenas um erro administrativo, mas uma falha moral gravíssima num país que se quer civilizado e justo.

As autoridades francesas suspeitam de privação de cuidados ao jovem com multideficiência expulso para o Kosovo

Dois meses após a expulsão de Ardy Vrenezi, um jovem kosovar com multideficiência grave, e da sua família, ocorrida a 4 de Maio, a prefeitura de Moselle acabou por ceder à pressão das associações que denunciavam a deterioração do estado de saúde do adolescente e a má qualidade dos cuidados prestados no Kosovo. No dia 2 de Junho, foi enviada uma equipa médica francesa ao local e elaborado um relatório de missão, consultado pelo Le Monde.

Enquanto o colectivo associativo de apoio a Ardy Vrenezi convocava uma manifestação para o dia 14 de Junho, frente ao Parlamento Europeu em Bruxelas, o relatório, editado sob tutela da Agência Regional de Saúde (ARS) da Lorena, datado de 7 de Junho, lança uma suspeita grave: os pais de Ardy poderão estar a privá-lo de cuidados de saúde na esperança de forçar um regresso a França.

A equipa enviada incluía uma farmacêutica e dois médicos – um deles especialista em estados vegetativos, condição que afecta Ardy. A missão em Pristina decorreu num único dia, com um custo de 1.264 euros. Foram entrevistadas cerca de quarenta pessoas, incluindo Ardy, os seus pais e os médicos locais. No início do relatório, a ARS reconhece que “a disparidade entre os sistemas de saúde francês e kosovar é evidente” e que a missão “não visa destacar essa evidência”.

Segundo o relatório, a degradação da saúde de Ardy poderá estar relacionada com a interrupção total ou parcial do tratamento, embora não se especifique a origem dessa interrupção. Os médicos kosovares relataram que, a 12 de Maio, quando o pai levou o filho ao centro de cuidados primários da sua cidade por um episódio agudo de epilepsia, constataram que o tratamento “não estava a ser seguido”. Dada a gravidade da situação, Ardy foi transferido para a clínica universitária pediátrica de Pristina.

O pai queixou-se da dificuldade em encontrar um dos medicamentos prescritos – o Kepra – nas farmácias da zona e do preço elevado. Contudo, a prefeitura afirmou que a família Vrenezi recebeu uma reserva do medicamento antes da expulsão, juntamente com uma receita para renovação. A equipa francesa visitou seis farmácias de forma aleatória e só encontrou o medicamento numa delas, situada em Pristina, a 70 km da residência da família. Estava disponível apenas em comprimidos, enquanto Ardy necessitava da forma líquida devido a problemas de deglutição.

Dois outros medicamentos prescritos estão disponíveis gratuitamente nas farmácias kosovares, por integrarem a lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial de Saúde. Em Malishevo, onde vive a família, existe também uma instituição especializada em crianças com deficiência, que oferece sessões de fisioterapia duas vezes por semana – a frequência necessária para Ardy. No entanto, a família nunca compareceu.

O relatório também refere que, à chegada ao Kosovo, os Vrenezi deveriam ter iniciado um pedido para receber um subsídio especial para pessoas com deficiência no valor de 100 euros mensais. Contudo, “não foi feito qualquer pedido”. Um pediatra, citado anonimamente, considera a “situação vergonhosa” para a família. O relatório admite que os 100 euros mensais são insuficientes face aos custos reais, que ascendem a 300 euros, mas refere que o governo kosovar terá indicado a possibilidade de um apoio extraordinário.

A 12 de Maio, o neuropediatra da clínica de Pristina propôs uma substituição terapêutica, dado ter experiência em casos semelhantes. O pai recusou. Ardy teve de ser novamente hospitalizado a 25 de Maio.

Foi nessa clínica de neurologia universitária de Pristina que a equipa francesa viu Ardy a 2 de Junho. Os médicos franceses afirmam que o jovem, de 15 anos, estava a ser bem acompanhado. Um dos médicos kosovares teria sido formado em Paris, na Salpêtrière. Ardy não estava em coma, nunca esteve, e conseguia dar alguns passos no corredor. Não apresentava sinais de desnutrição. No entanto, a doença foi considerada incurável pelos médicos kosovares, com evolução progressiva e fatal.

Uma assistência apenas parcial

A pediatra Isabelle Kieffer, que acompanhou Ardy no instituto médico-educativo de Sarrebourg (Moselle) durante o período de análise do pedido de asilo da família – posteriormente rejeitado – critica duramente o relatório. Apesar de admitir que existem sessões de fisioterapia em Malishevo, sublinha a ausência de sessões de terapia da fala e psicomotricidade, de que Ardy beneficiava em França. Salienta também que os médicos franceses em missão apenas “viram” Ardy, mas não o “examinaram”.

A Dra. Kieffer teve conhecimento do conteúdo do relatório desde o regresso da equipa, a 2 de Junho, pois foi contactada directamente pelos médicos. Reconhece que muitos dos pormenores do relatório não aparecem nos comunicados de imprensa do colectivo de apoio a Ardy – composto pela Associação dos Paralisados de França (APF), a Rede Educação Sem Fronteiras (RESF) e a Liga dos Direitos do Homem (LDH). “Escrevi um relatório e pedi à APF que o publicasse, mas não o fizeram. Estou sozinha, não consigo fazer tudo”, lamenta. Para ela, os testemunhos dos médicos kosovares devem ser avaliados com cautela, pois há indícios de que poderão ter sido pressionados.

Para a Dra. Kieffer, o essencial não está nas revelações do relatório. “É evidente que a doença de Ardy é incurável. A questão é: em que condições vai ele morrer, com que rapidez e de que forma?” Recorda que, a 15 de Abril, Thomas Hammarberg, comissário para os direitos humanos do Conselho da Europa, expressou “preocupação” com o facto de vários governos europeus estarem a proceder a repatriamentos forçados de refugiados para o Kosovo.

Revista Repórter X Editora Schweiz Oficial

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