SEMANA POLÍTICA
O EQUILÍBRIO DE MONTENEGRO
Ninguém pode dizer que Luís Montenegro tem tido particular sorte neste seu difícil percurso como líder do PSD. Tardou a unir um partido tradicionalmente dado a tradições e fraturas e que, sejamos claros, nunca verdadeiramente acreditou vê-lo na posição de líder no momento crucial das eleições legislativas. Na cabeça de boa parte das suas “elites” estava, aliás, destinado a ser um chefe provisório. Que isso pressupusesse refinados exercícios de hipocrisia e duplicidade, eis o que nunca as preocupou. Foi também ele surpreendido com as voltas do destino. Não estava – como não estava Pedro Nuno Santos – minimamente preparado para travar imediatamente o combate da sua vida. Deixou-se ainda enredar, durante tempo demais, na armadilha que o PS lhe lançou sobre o posicionamento estratégico do partido em relação à aliança à direita e em particular em relação ao Chega. Talvez em consequência de todos estes escolhos, foi-se limitando a ataques conjunturais aos casos do momento e pareceu sempre mais confortável na pele de líder de uma bancada parlamentar (que não tinha) do que no traje mais solene de candidato a primeiro-ministro. E foi sobretudo revelando dificuldade em articular uma visão do país alternativo à do PS que fosse simultaneamente credível, estruturada e mobilizadora.
Dito isto, a verdade é que começaram, muito recentemente, a despontar sinais de mudança. O dilema do posicionamento em relação ao Chega fora já resolvido com clareza (pelo menos para quem se esforce por analisar a vida política com um mínimo de honestidade intelectual). A convenção da AD correu-lhe francamente bem. Começaram então a revelar-se os primeiros sinais de uma indispensável união (mais ou menos convictos, mais ou menos resignados, a todos começou por fim a chegar o irresistível aroma do poder) e Montenegro encerrou o evento com um discurso eficaz, sólido e, mais relevante, bem mais programático do que vinha sendo hábito. Não menos importante, a renascida AD (que, entretanto, teve o assomo de lucidez de remeter o PPM para o quarto dos fundos dos familiares incómodos), apresentou, na semana passada, um cenário macroeconómico que aponta, finalmente, caminhos claros e sobretudo caminhos muito diferentes daqueles que o país tem mediocremente percorrido nos últimos, 20 anos.
Ora, é justamente quando a sua AD parece poder começar a ganhar alguma tração e embalo que rebenta o tropical escândalo da Madeira. E se é obviamente impossível responsabilizar Luís Montenegro pelos graves crimes de que é acusado o presidente do Governo Regional, a verdade é que não é mais fácil perceber a sua desapontante reação ao caso. De facto, qualquer mente medianamente lúcida já percebeu que o tema de corrupção – mal ou percecionada – será central nas próximas legislativas. Da mesma forma, não é difícil entender que o Chega - que neste momento representa a maior ameaça sistémica que o PSD tem pela frente – fará dele o alfa e o ómega da sua campanha. Finalmente, ninguém pode ignorar que – paradoxalmente para quem se foi mostrando tão indiferente ao deslaçar ético do seu Governo - António Costa colocou a fasquia bem alta com a sua própria demissão no caso que o envolveu. Ora, perante tão cristalina evidência perante sinais tão fáceis de ler e de interpretar, é simplesmente absurdo que Luís Montenegro não tenha tido o instinto de explicar ao então ainda presidente do Governo Regional, com a clareza e a rapidez que o momento político impunha, que a demissão imediata - como foi - a sua única saída.
O PSD teve aqui uma oportunidade única para demonstrar - na prática -como lida e sobretudo como pretende lidar com o tema escaldante da corrupção. Respeitando o princípio da presunção da inocência, mas não se escudando no estafadíssimo mantra costiano para se abster de fazer as avaliações política que se impõem, poderia ter.se demarcado com clareza do ambiente de complacência e de transigência ética que foi a marca de água da última maioria absoluta socialista. Poderia, de uma mesma assentada, ter respondido com eficácia ao discurso demagógico, inflamado e inconsequente de Ventura sobre a corrupção com uma tomada de posição serena, concreta e plena de consequência. Ao invés, escolheu, com tibieza, ficar a meio da ponte.
Ninguém dirá, repito que Luís Montenegro tem tido muita sorte. Mas a verdade é que a sorte também se procura.
Quem também não ficou numa posição confortável foi, evidentemente, o Presidente da República. É bem verdade que, num plano teórico, e num regime parlamentar (que aliás reforçou esse seu caráter depois da singular invenção da “geringonça”), podemos e devemos habituar-nos à ideia de que os governos, emanando do Parlamento, podem sobreviver aos seus primeiros-ministros. Também não é exagero dizer que há diferenças entre os casos de Costa e Albuquerque. Mas é ainda mais evidente, se quisermos ser sérios, que o Presidente da República fez, há muito pouco tempo, com inteira legitimidade, uma concreta leitura política de um caso que tem muito mais semelhanças do que diferenças com o da Madeira, e que essa leitura criou um óbvio e inultrapassável precedente.
Politicamente é, pois é muito difícil ao Presidente vir a tomar posições diferentes sobre os dois casos. Sobretudo porque o primeiro envolveu um partido que não é da sua área política e o segundo atinge o seu partido de sempre. Marcelo ganhou tempo com um formalismo constitucional. Mas a dissolução é inevitável. Não tanto, repito, porque devesse ser necessariamente essa a solução em abstrato. Mas por causa do precedente próximo. Qualquer outro Presidente poderia decidir de forma diferente. Marcelo está obrigado a convocar eleições regionais, se não quiser pagar um preço político elevadíssimo.
Orlando Fernandes
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