NÃO SEI DE MIM!
Um mar, âncora azul, céu cinzento, 
asas do infinito, trajeto de solidão. 
O mundo em que me fito, e não me vejo, 
não sei quem sou, onde estou! 
Perdi-me na escuridão do meu ser, 
onde as estrelas são luzeiros 
nos meus caminhos. 
 
O sol enfeita o regaço enjeitado 
de amoras e papoilas negras, 
de sangue escarlate, 
ausências de quem não ama, 
não existe em tuas mãos. 
 
Mãos calejadas de mendigar, 
o sol, a lua, o infinito, 
num universo perverso, 
onde as flores choram 
nos beirais de pássaros cristalinos, 
por nascer…
 
Onde existo eu, ou tu, 
a saudade adormecida, 
no peito destroçado de magnólias 
por descobrir. 
 
Serpentes devoradoras, 
que encantam e destroem, 
em suspiros traiçoeiros, 
à beira rio plantados,
em braços de amieiros,
ao alto, bem elevados! 
 
Serei eu? És tu? 
A ilusão! É de ninguém. 
O transcendente no ar! 
O nada que sou! 
 
No verde amargurado, 
suspiros a florir, 
em concordância de vozes 
e sons místicos, dispostos
como cordas da citara, e da guitarra.
 
Envolto no regaço de amoras silvestres,
aladas, resplandecentes,
entrelaçam cachoeiras, onde deitas a pureza,
e adormece a inocência de menina.
 
Os dias, em reflexos, 
esvoaçam os sorrisos, 
de gaivotas no mar alto, 
de asas libertas como folhas de cetim, 
ou pergaminho. 
Ritmo obtuso, insidias e seduções…
 
Majestosos cabelos estendem 
sobre as águas em ribeiros e alto mar, 
e cortejam simetricamente, 
a túnica imperial, cor de púrpura e linho, 
dispondo-se em amplas volutas,
sobre os joelhos, tecida 
a fios de ouro fino.
 
Um caudal de rendas, 
em arco iris de esmeraldas, 
e verde mar, em céu azul, 
de harmonia, triunfal.
 
Extasiado e dócil, o olhar 
de plumas hirtas e bico doirado 
em longas garras, possante, 
a avestruz de asas candescentes, 
num ímpeto feroz de atrocidade, 
e caudas enroladas, como a lã, 
e o novelo que cresce, 
contamina a verdade. 
 
Flagelo em mar cristalino, 
crispado nas águas dançantes. 
Nas pupilas de teus olhos, 
floresce o concerto de abandono,
em graciosas melodias,
em tardes calmas, noites frias. 
Mortandade, sol, lua, universo, infinito! 
 
Transcendente é a vida que não nos pertence, 
não me pertence, não é minha nem é tua! 
A vida é de ninguém! 
Cristais do olhar, flores de abril,
março a passar, floridos os quintais, 
rochas, tojos, espinhos a desbravar. 
Contaminam a paisagem, 
do teu ser de amargura, prefigurada. 
 
A lua brilha no parapeito 
da janela axadrezada e… 
a mensagem vai veloz na noite escura.
Braços de sereia torturada anseiam 
o húmus da terra ressequida 
em teus lábios de andorinha, 
e gaivotas flamejantes em céu aberto. 
 
Jardins adornados de gravilha, 
e o cítiso, o serpil, o lírio, ligustro, 
o narciso, colocásia, malóbatro e a mirra. 
Os catos ensaiam em bálsamos
um concerto de rosáceas floridas, 
e, a beleza do perfume a incenso,
desregramento, construído. 
 
Sentidos que esboçam enxofre 
nessa terra de ninguém, 
e, clandestinamente, 
jactanciosos os pardais, 
crescem e vivificam sons melodiosos 
dos aromas de cristais….  
 
A utopia cheira a maresia, 
a brisa, a vontade que rasga 
o horizonte infindo do querer, 
ser Mulher a construir,
a preencher o livro em branco 
dos seus dias, calejados 
de vertigens tortuosas. 
 
E, nuances na ladeira, esperam, 
em noites de cortesia,     
por teu sorriso, escancarado,
onde brilha o coração
quando deitas, num céu brilhante 
de estrelas, num azul apaixonado
 
inédito, 
M. Amélia F. Fernandes
“Poetisa de Arosa”
 
 
 






