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segunda-feira, 18 de julho de 2022

Histórias da Lídia Silvestre; a Rolinha

A Rolinha

 


Estava a casa posta em sossego, ia a tarde já avançada, deleitava-se a vida ao som do chilrear dos passarinhos, longínquos sons de buzinas e deslizar de carros na via principal, quando o excitado ladrar do Jeko põe a vida em polvorosa.

 

Vistoria no quintal, latidos apressados, um mar de penas brancas pelo ar, e caída, num canto entre ervas e arbustos, uma ave que facilmente segurei entre mãos, livrando das garras do caçador canídeo.

Assustada, a ave parecia inerte, e nada havendo à mão que lhe servisse de amparo, serviu o enorme cesto de vime, que numa árvore do quintal secava após lavagem, colocado em cima da mesa, bichinho no interior, um pano de cozinha para cobrir, uma base vaso com água e ali ficou, quieta.

 

Horas depois, continuava imóvel, e dúvidas nasceram – um pombo bebé? Uma rola bebé? Penugem a imitar cor de café com leite, não se assemelhava ao cinzento de qualquer das hipóteses.

 

Era urgente uma solução, para que tivesse espaço, luz e pudesse voar; improvisou-se uma casa na varanda, lençóis velhos cobriram a pedra mármore do chão, para o proteger das fezes. Duas caixas com um pau de vassoura entre si, a servir de poleiro, panos quentes no interior, um velho cabide madeira, um poleiro alto, um pesado recipiente de vidro para aperitivos tornou-se bebedouro, e a comida do periquito terá sido a sua primeira refeição na nova residência.

 

Breve se verificou que não conseguia voar mais do que um metro, e o seu pescoço ostentava um colar de ausência de penas, provocado por um ataque provavelmente de gato, já que a boquinha do Jeko deixaria marca maior, provavelmente fatal.

Decorreram dois meses; a identidade da rolinha manifestou-se pelo seu “rulhar”, que ecoava por toda a casa, quando pretendia atenção ou a sua refeição diária, e levando a que o Jeko rosnasse grosso, sem perceber de onde vinha o cantar da rolinha.

 

Aos poucos, cresceu a dimensão do seu voo, e era notório o seu estado de saúde; acreditámos estar recuperada o bastante para o seu regresso à liberdade.

 

Portas da varanda aberta, podia a menina escolher voar, ou ficar…; foram breves os minutos em que pousou no parapeito; ali, a poucos metros, outras irmãs conversavam instaladas na copa de uma frondosa árvore, e ela lá foi, voo seguro para a sua nova vida, depois de dois meses de reclusão, para tratamento.

 

Passou um mês, e pela casa ainda ecoa o chamamento da rolinha, mas o que em mim ficou foi uma necessidade de olhar sempre que ouço uma rola, na busca de vislumbrar uma de cor ainda não cinzenta, ou com o colar no pescoço que me diga “ fui eu que estive aí, na tua varanda, durante dois meses”.

 

Lídia Silvestre

Jurista

 


Revista Repórter X Editora Schweiz Oficial

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