A
Rolinha
Estava a casa posta em
sossego, ia a tarde já avançada, deleitava-se a vida ao som do chilrear dos
passarinhos, longínquos sons de buzinas e deslizar de carros na via principal,
quando o excitado ladrar do Jeko põe a vida em polvorosa.
Vistoria no quintal,
latidos apressados, um mar de penas brancas pelo ar, e caída, num canto entre
ervas e arbustos, uma ave que facilmente segurei entre mãos, livrando das
garras do caçador canídeo.
Assustada, a ave parecia
inerte, e nada havendo à mão que lhe servisse de amparo, serviu o enorme cesto
de vime, que numa árvore do quintal secava após lavagem, colocado em cima da
mesa, bichinho no interior, um pano de cozinha para cobrir, uma base vaso com
água e ali ficou, quieta.
Horas depois, continuava
imóvel, e dúvidas nasceram – um pombo bebé? Uma rola bebé? Penugem a imitar cor
de café com leite, não se assemelhava ao cinzento de qualquer das hipóteses.
Era urgente uma solução,
para que tivesse espaço, luz e pudesse voar; improvisou-se uma casa na varanda,
lençóis velhos cobriram a pedra mármore do chão, para o proteger das fezes. Duas
caixas com um pau de vassoura entre si, a servir de poleiro, panos quentes no
interior, um velho cabide madeira, um poleiro alto, um pesado recipiente de
vidro para aperitivos tornou-se bebedouro, e a comida do periquito terá sido a
sua primeira refeição na nova residência.
Breve se verificou que
não conseguia voar mais do que um metro, e o seu pescoço ostentava um colar de
ausência de penas, provocado por um ataque provavelmente de gato, já que a
boquinha do Jeko deixaria marca maior, provavelmente fatal.
Decorreram dois meses; a
identidade da rolinha manifestou-se pelo seu “rulhar”, que ecoava por toda a
casa, quando pretendia atenção ou a sua refeição diária, e levando a que o Jeko
rosnasse grosso, sem perceber de onde vinha o cantar da rolinha.
Aos poucos, cresceu a
dimensão do seu voo, e era notório o seu estado de saúde; acreditámos estar
recuperada o bastante para o seu regresso à liberdade.
Portas da varanda
aberta, podia a menina escolher voar, ou ficar…; foram breves os minutos em que
pousou no parapeito; ali, a poucos metros, outras irmãs conversavam instaladas
na copa de uma frondosa árvore, e ela lá foi, voo seguro para a sua nova vida,
depois de dois meses de reclusão, para tratamento.
Passou um mês, e pela
casa ainda ecoa o chamamento da rolinha, mas o que em mim ficou foi uma
necessidade de olhar sempre que ouço uma rola, na busca de vislumbrar uma de
cor ainda não cinzenta, ou com o colar no pescoço que me diga “ fui eu que
estive aí, na tua varanda, durante dois meses”.
Lídia Silvestre
Jurista
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