António da Fonte e a arte de cumprir sem se perder
António da Fonte tem 64 anos, olhos cansados, mas mente desperta. Trabalha como temporário no controlo do transporte público, observa rotas, bilhetes e horários, e ainda assim encontra-se no fundo, de desemprego. Porquê? Porque, mesmo com emprego, o sistema insiste em obrigá-lo a procurar outro trabalho fixo, mesmo que não tenha nada a ver com a sua experiência ou profissão. É um desrespeito aos cidadãos, uma tentativa de encaixar cada um numa moldura que não lhe pertence.
António sabe disso e joga com inteligência. Ele cumpre formalmente, envia nomes e contactos, respeita prazos, mas escolhe com sabedoria: não vai abandonar a segurança e o trabalho que conhece para satisfazer exigências absurdas. Cada coisa no seu lugar, carpinteiro na carpintaria, talhante no talho, médico no hospital, pescador no mar. Ele mantém-se fiel à sua experiência, à sua dignidade, ao seu ritmo.
Enquanto a burocracia insiste, António descansa, recupera energia e dedica-se ao que importa, família, leitura, escrita e observação do mundo. O trabalho real não se mede apenas em horas ou formulários, mas em atenção, cuidado e contribuição significativa.
O sistema ignora as tarefas invisíveis, as pausas necessárias e o conhecimento acumulado ao longo de décadas. António da Fonte não se sacrifica; protege o que é seu, cumpre o formalismo e ainda encontra tempo para viver plenamente.
Esta história não é apenas de um homem. É de muitos temporários, de trabalhadores discretos que sabem que obedecer às regras não significa abdicar da própria vida. É um lembrete silencioso e firme de que o valor do trabalho humano vai muito além dos formulários e carimbos, e que a verdadeira inteligência é saber cumprir sem se perder.
António da Fonte
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