Trump e a ameaça da deportação em massa
Os Estados Unidos tornaram-se um país muito mais xenófobo e racista, apesar da taxa de desemprego se manter abaixo dos 4%.
Paulo Pisco
A ameaça de Donald Trump de deportar 11 milhões de imigrantes deve ser levada a sério, por mais cruel e insensata que possa parecer. E não diz respeito apenas a cidadãos latino-americanos, mas também a portugueses, muitos dos quais vivem, trabalham e pagam impostos nos Estados Unidos há muitos anos.
O contexto mudou relativamente ao primeiro mandato de Trump, que substituiu o slogan "construam o muro" por "deportação em massa", tornando o combate à imigração uma das principais bandeiras da sua campanha. Ele prometeu realizar a maior deportação em massa de sempre, fazendo declarações como "somos um depósito de lixo para o mundo" e associando frequentemente os migrantes à criminalidade, como costuma fazer a extrema-direita, mesmo sem fundamentos para tal.
Agora, neste segundo mandato, o presidente americano está mais livre para cumprir os seus objetivos, pois possui poder sólido no Congresso e nomeou pessoas leais e com perfil para executar essas medidas sem compaixão. Entre elas está Stephen Miller, defensor da proibição de entrada nos Estados Unidos de cidadãos de países muçulmanos, da construção do muro na fronteira com o México e da separação dos filhos dos pais que entraram no país irregularmente. Também Thomas Homan, nomeado diretor do Immigration and Customs Enforcement, conhecido como o "czar" das fronteiras.
A deportação em massa custará ao erário público biliões de dólares e terá um impacto brutal nas remessas dos emigrantes nos seus países de origem. Só para o México, as remessas cifram-se em cerca de 60 mil milhões de dólares anuais.
A xenofobia aumentou de tal forma que não são apenas visados os indocumentados que desempenham trabalhos pouco qualificados, mas também aqueles que vão para o país com elevadas qualificações. A polémica estalou recentemente, quando setores mais extremistas dentro do Partido Republicano contestaram a facilidade com que estavam a ser atribuídos os vistos H-B1, concedidos a imigrantes altamente qualificados, muito utilizados por Elon Musk para captar trabalhadores para as suas empresas de elevado componente científico e tecnológico.
E é por todo este contexto que também a comunidade portuguesa nos Estados Unidos está a passar por momentos de grande ansiedade, como aconteceu no primeiro mandato de Donald Trump, quando ele abriu caminho à deportação de imigrantes, pondo fim ao Programa DACA (Deferred Action for Childhood Arrivals), uma medida implementada em 2012 pelo presidente Obama. O programa protegeu da deportação várias centenas de milhares de imigrantes que chegaram ainda crianças aos Estados Unidos, permitindo-lhes viver, estudar e trabalhar legalmente no país. Pela sua desumanidade, esta política cruel foi interrompida em 2018, deixando ainda cerca de 1.400 crianças que não conseguiram ser reunidas com os pais.
Apesar da presença histórica dos portugueses nos Estados Unidos, que rondará um milhão e meio entre nacionais e lusodescendentes, e da relação transatlântica ser desde sempre um dos eixos centrais da nossa política externa, isso em nada significa que os nossos compatriotas estejam protegidos. Pelo contrário, responsáveis associativos afirmam que há alguns milhares de portugueses em risco de serem deportados.
O dever de Portugal e do Governo português é, portanto, fazer tudo para minorar o impacto desta política anunciada pelo Presidente dos Estados Unidos, que visa concretizar a deportação em massa.
Como a extrema-direita sabe, o discurso contra os imigrantes rende votos, por mais falso e manipulador que seja. Nos Estados Unidos, como em Portugal – só que agora toca aos portugueses verem-se na situação que os extremistas defendem para os estrangeiros no nosso país.
Os Estados Unidos tornaram-se um país muito mais xenófobo e racista, apesar da taxa de desemprego se manter abaixo dos 4%. Isso significa que os imigrantes, que fazem parte dos 11 milhões a ser deportados, são necessários para fazer a economia funcionar. Estimativas apontam que cerca de sete dos 11 milhões de indocumentados que a nova administração quer deportar estejam inseridos no mercado de trabalho, representando cerca de 5% da força laboral, o que pode ter consequências catastróficas para vários setores de atividade e para o consumo nos Estados Unidos.
Paulo Pisco
Revista Repórter X Editora Schweiz Oficial
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