POR UM CESSAR-FOGO DEFINITIVO EM GAZA
As décadas de esperanças frustradas ensinaram que, neste conflito, nenhuma paz é duradoura.
Pode haver maior alegria do que saber-se que a hipótese de morrer apanhado por uma bomba deixou de existir? Não pode. E esta é a boa nova do cessar-fogo que pôs fim a 467 dias de guerra, mesmo que a fúria das bombas continuasse a cair em Gaza e a matar pessoas até aos últimos momentos e na desproporção de sempre.
A alegria do cessar-fogo nunca pode deixar de ser uma esperança numa paz duradoura. Acabou o sofrimento de quem já não sabia onde se esconder, sem lugar seguro para existir. De quem enlouqueceu por andar de um lado para o outro a fugir das bombas, a tentar fintar o destino. Por ver tanta morte e destruição à sua volta e os cães a comer os corpos abandonados. Por ver a sua casa feita em pó e ferro torcido. Por ver tantas crianças ensanguentadas nos braços dos pais. Inocentes que nunca chegaram a conhecer o futuro. A alegria de se livrarem da morte pelas bombas, pela fome, pela sede, pelo frio e pela falta de hospitais e de remédios. A falta de humanidade levada ao extremo, ao ponto do Tribunal Penal Internacional ter emitido mandados de captura para o primeiro-ministro Netanyahu e para o seu ex-ministro da Defesa, Ioav Gallant.
Por mais que as Nações Unidas alertassem para o inferno humanitário, as forças israelitas mantinham a sua altiva indiferença, como se a humanidade não existisse em cada palestiniano. É preciso obrigar a que o cessar-fogo se concretize e que a trégua se estabeleça de forma definitiva. Que os reféns israelitas sejam todos libertados e os presos palestinianos também, e que este compromisso seja levado até ao fim. Mesmo que, nestas coisas do conflito israelo-árabe, também seja preciso estar preparado para a desilusão.
As décadas de esperanças frustradas ensinaram que, neste conflito, nenhuma paz é duradoura, que é tudo sempre muito precário enquanto não houver uma solução definitiva que ponha palestinianos e israelitas a viver em paz e segurança, lado a lado. Porque a cada centelha de esperança há sempre um radical de um lado ou do outro, de Israel ou da Palestina, que deita tudo a perder. E porque a terra dos palestinianos já quase não existe, porque foram quase 80 anos a perder terreno, como agora, mais uma vez, certamente acontecerá em Gaza e na Cisjordânia.
Que venha então o cessar-fogo definitivo, a paz e também a reconciliação. E, já agora, que seja também criado o Estado da Palestina, se é que ainda vamos a tempo e que, dos escombros, da morte e da memória de famílias inteiras que perderam tudo, renasça a esperança consumada na alegria do cessar-fogo.
Gaza está destruída e o povo palestiniano aniquilado por dentro, enquanto o mundo assistiu em silêncio ao inferno onde ardia a humanidade. Um silêncio imposto pela força dos mais fortes, para que não houvesse obstáculos ao impulso animal de destruição. Vale a pena citar Elie Wiesel, um judeu romeno Nobel da Paz em 1986, ele próprio sobrevivente dos campos de concentração nazis. Assistir impotente à destruição e não poder gritar é, dizia: “como o silêncio que age sobre a alma e enche-a de noite e de morte (...) invade o ser, domina-o e submete-o ao estado de escravatura. Quando se é escravo do silêncio, já não se é homem.”
Paulo Pisco
Deputado pelo Círculo da Europa
Coordenador na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas
Grupo Parlamentar do Partido Socialista
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