Diz o ditado popular que o trolha é bicho porco. Mas quem já entrou nas residências estudantis e nas salas da ETH Zürich sabe que a verdade é outra. O trabalhador das obras, coberto de pó e cimento, guarda mais dignidade no trato do espaço que pisa do que muitos dos futuros engenheiros e académicos que se sentam nos bancos da universidade.
Eu sei do que falo. Trabalhei lá, muito tempo. Entrei nos corredores, nas salas de aula, nos quartos e nas salas de estar. Fui chamado a limpar, a pôr ordem onde o desmazelo reinava. O que encontrei não parecia ambiente de estudo, nem casa de juventude. Era um cenário de desordem total, como se ninguém habitasse ali com respeito ou consciência do espaço partilhado.
As salas de aula, que deviam ser templos do saber, estavam cobertas de garrafas e papeis e chicletes espalhadas pelo chão, restos de comida, lixo abandonado em cada canto. Não se tratava de uma noite de copos nem de uma exceção festiva. Era o quotidiano. Durante o dia, enquanto estudavam, bebiam, descansavam nos sofás, tratavam o espaço como extensão privada dos seus quartos, como se fosse a sua casa, mas sem qualquer cuidado. Quando partiam, ficava atrás deles o caos, sempre com a certeza de que alguém viria limpar.
As salas de estar e de estudo não eram melhores. Sofás tombados, manchados, rotos, usados sem respeito. Corredores desarrumados, pilhas de objetos e resíduos. Uma atmosfera pesada, de clausura, que não lembrava uma residência académica, mas sim um espaço de confinamento. Pior do que prisão, porque até numa cadeia existe disciplina. Ali, a liberdade era confundida com abandono.
E a pergunta impõe-se: que imagem se constrói do estudante, esse símbolo de futuro e inteligência, quando se olha de perto o espaço que habita?
É fácil falar da excelência da ETH, das descobertas científicas, dos prémios nobel. Mas quem viu por dentro sabe: entre quatro paredes, o retrato é outro. É desmazelo, é sujidade, é desrespeito pelo espaço comum e pelos trabalhadores invisíveis que o mantêm limpo.
Esses trabalhadores, como eu fui, chegam de manhã ou ao fim do dia, entram em silêncio, saco de plástico, balde e esfregão na mão, e recolhem não apenas o lixo, mas também a vergonha que os outros deixam. O cheiro insuportável, garrafas vazias, restos de álcool, papeis rasgados, sofás desfeitos. Tudo apanhado e ensacado, carregado em silêncio, para que no dia seguinte a fachada volte a parecer imaculada.
A catástrofe não está apenas no lixo. Está no hábito. Na rotina instalada de viver como se o espaço público não fosse de ninguém. De estudar, dormir, beber e voltar a estudar deixando sempre a marca de destruição atrás. Como se a inteligência académica dispensasse a disciplina e o respeito.
E, no entanto, o ditado repete-se lá fora: o trolha é que é bicho porco. Injustiça maior não pode haver. Porque aquele que trabalha na obra respeita o chão onde põe os pés, e aquele que limpa carrega todos os dias a sujidade alheia com mais honra do que os que se dizem herdeiros da ciência. A verdade, nua e crua, é esta: muitas vezes, o verdadeiro bicho porco é o estudante.
Anonimato...
Revista Repórter X Editora Schweiz Oficial
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