Inovação dos trams em Zürich e a caça à multa das zonas desajustadas:
Em Zürich, o tram não é apenas um meio de transporte, é memória colectiva, é hábito herdado, é uma linha que organiza a vida. No dia 14 de Dezembro de 2025, dia grande, a cidade avançou com a maior mudança de horários e percursos da sua história recente, a primeira grande inovação deste género no país. Um redesenho profundo das linhas da VBZ, apresentado como progresso, eficiência e futuro.
Os cinco jornalistas do Tages Anzeiger escreveram sobre esta mudança com nostalgia e verdade. Falaram do 4, o antigo expresso cultural que levava do Central ao teatro, à ópera e ao lago. Do 13, ligação directa e sem desvios à Bahnhofstrasse. Do 2, a linha de sonho, plana, variada, íntima. Do 8, a verdadeira visita guiada à cidade, do Hardturm ao Zürichberg. Do 7 e do 9, linhas de juventude, de bairro, de quem vinha da periferia “à cidade”. Do 11, linha das artes, das clínicas e do Hallenstadion. Linhas que eram mais do que percursos, eram uma cartografia interior, uma segurança silenciosa.
Mas a esta página falta um sexto olhar, que tem de ser dito com frontalidade. O olhar de João Carlos Quelhas, que publica na Revista Repórter X e no Infosuiça. Porque a inovação, quando não olha para quem paga passes e vive o sistema todos os dias, transforma-se numa máquina de erro e punição.
O problema não são os trams novos, nem os percursos redesenhados, nem as grandes obras. O problema está nas zonas do ZVV, mal divididas, mal explicadas e perigosamente desenhadas para a multa. Mesmo quem tem passe diário ou mensal incorre facilmente em infrações involuntárias. Não por abuso, mas por desconhecimento legítimo e por uma geografia administrativa que não acompanha a vida real.
Dou exemplos concretos. Um passe mensal entre Bülach e Dielsdorf de comboio custa cerca de 90 francos, zonas 112 e 121. A partir de Bülach posso ir até ao aeroporto de Bus, tudo certo. Mas duas paragens antes do aeroporto, ao mudar para Grindelstrasse, Bassersdorf, logo ali ao lado, também a duas paragens à esquerda, entro noutra zona e se a distância é a mesma paralela uma à outra faz confusão. Nas paragens de Bus, Trams e Comboio há mapas minúsculos e confusos para vermos e entendermos bem. Dentro do Bus não há tempo para estudar fronteiras. Na internet, nem todos sabem ou conseguem consultar. Uma paragem fora da zona e a multa cai, fria, automática, indiferente.
Outro caso ainda mais revelador. De Bülach para Wallisellen é preciso ir até Oerlikon e depois voltar para trás noutra linha. Acontece que em Glattbrugg, antes de Oerlikon, muda a zona. Mesmo com passe mensal, sou obrigado a comprar um bilhete suplementar. Chego a Oerlikon, mudo de comboio, volto no sentido Wallisellen e, ironicamente, regresso à mesma zona de Bülach. Saí da minha zona, paguei outra zona, e voltei à zona original. Isto não é apenas confuso, é um desenho feito para falhar e levarmos multas. Há milhares de armadilhas destas em toda a Suíça! A mudança de zona deveria acontecer em Oerlikon, não em Glattbrugg. Seria mais claro, mais justo, mais politicamente correcto. Mas daria menos multas.
Aqui os comboios correm como rios num só sentido, depois obrigam a desvios e recuos. Os Bus e os trams cruzam a cidade para levar pessoas onde o comboio não chega e tambématravessam zonas ainda mais confusas. O sistema é complexo, sim, mas a complexidade exige cuidado, sinalização clara e zonas pensadas para o uso real, não para a penalização dos passageiros que compram passe.
Zürich orgulha-se de inovar, e bem. Mas a modernidade verdadeira não é apenas redesenhar linhas, é respeitar quem compra passes para ser mais económico e fazer-se transportar na legalidade, quem trabalha, quem uma vez ou outra sai da rota casa trabalho e não pode ser tratado como infractor por isso. Sair da zona e entrar de novo na zona, simplesmente porque nessa localidade o Bus ou o Tram não cruza, não é correcto ser duas zonas e deveria mudar para uma só zona nestes casos. Isto também merece inovação! Caso contrário, a inovação torna-se um negócio silencioso, sustentado por milhões em multas involuntárias.
João Carlos Quelhas
Revista Repórter X Editora Schweiz Oficial

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