Sistema ou Corrupção
(dedicado a eles como se fossem eles a piar entre eles)
Fui criado entre teia e códigos,
em comissões onde o povo é ruído,
nasci da lei, mas sou filho do vício,
e alimento-me do silêncio fingido.
Na Assembleia moldam-me ao milímetro,
escrevem-me com palavras de algodão,
sou decreto, norma, directiva,
mas o meu nome antigo é corrupção.
Assinei com mão firme e voto certo,
não pelo povo, mas por convenção,
o protocolo já vinha feito,
só precisava da minha mão.
Recebi dossiês, jantei com pressa,
o assessor disse: “É só assinar”,
não li, não quis, não tive tempo,
mas cumpri o dever de legislar.
Eles lá em cima tecem teias,
e cá em baixo cortam pão ao meio,
chamam sistema ao que é armadilha,
chamam justiça ao que é alheio.
Pagamos impostos com fé nos olhos,
e recebemos migalhas com imposição,
trabalhamos, lutamos, adoecemos,
mas somos números na equação.
Aqueles que estão à frente dos serviços
com o rei na barriga e o peito erguido,
pensam que mandam nas repartições
e tratam o povo como atrevido.
Vivem com gozo do nosso dinheiro,
disfarçam favores por cima da mesa,
e outros, mais finos, por baixo a sorrir,
corrompem com arte, com falsa nobreza.
Favorecem uns, sacrificam outros,
tudo se move com comissão e segredo,
ganham por dentro e por fora do Estado
e ao contribuinte sobra só o degredo.
O elo mais fraco é sempre esmagado,
pela arrogância vestida de lei,
quem bate à porta de um balcão qualquer
já sabe o que vale: menos do que um rei.
Não morri, embora me escondam,
não me rendi, embora me calem,
habito a memória dos que resistem,
e nas ruas ainda há quem fale.
O sistema é grande, mas não eterno,
a corrupção não é destino ou chão,
e um dia, quem semeou tormento,
há-de colher a multidão.
autor: Quelhas
Revista Repórter X Editora Schweiz Oficial
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