Trabalhar só com carimbo de
inválido
Na
terra dos relógios perfeitos, o tempo de quem adoece parece não ter valor. Um
simples pedido de apoio para trabalhar, feito por uma mulher de saúde frágil
que ainda resiste à ideia de depender da assistência social ou de se declarar
inválida, foi recebido com a frieza calculada da burocracia suíça.
A
carta foi enviada com humildade e clareza: a cidadã — com limitações físicas
causadas por uma doença prolongada — pediu ajuda para aceder a uma actividade
protegida e adaptada, numa instituição reconhecida. Em vez de acolhimento ou
orientação humana, recebeu uma resposta protocolar da profissional,
"Fachspezialistin Stab IV", funcionária do Bundesamt für
Sozialversicherungen (BSV).
A
resposta? Um redireccionamento para brochuras da SVA Zürich, links de internet
e a sugestão genérica de contactar a IV para iniciar um processo. Nenhuma
escuta, nenhuma ponte concreta. Apenas portas fechadas sob a forma de
parágrafos bem formatados.
O
actual sistema exige o absurdo: para se
poder trabalhar de forma adaptada, é preciso primeiro ser declarado inválido.
Só quem já recebe ou está em processo de obtenção da IV pode candidatar-se a
essas funções. Quem quer prevenir a queda, evitar a miséria, continuar a ser
útil dentro das suas capacidades, é ignorado.
É
esta a Suíça que não aparece nos postais. Um país onde a pessoa só vale se
encaixar nos códigos da máquina. Onde o sistema não se adapta ao ser humano,
mas exige que o ser humano se desfigure para caber nas suas molduras
administrativas. Onde se fala de reabilitação, mas se pratica exclusão.
A
doente em questão mostrou motivação, apresentou competências, pediu apenas uma
oportunidade compatível com a sua condição. O que recebeu foi um empurrão para
o fundo: ou IV, ou assistência social. Trabalhar? Só com o rótulo de inválido.
Denunciamos
este caso como exemplo claro de um sistema que falha onde devia cuidar, que
controla onde devia servir, e que impõe silêncio onde devia ouvir. Porque
quando até trabalhar se torna um privilégio reservado a quem está
"administrativamente doente", a sociedade deixou de ser justa para
ser apenas funcional.
E
os seres humanos não são funções.
Quelhas.
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